São Paulo - Duas decisões da Justiça de São Paulo devem abrir novos precedentes e dar ânimo para usinas e outras empresas como varejistas e distribuidoras que frequentemente sofrem com autuações do Fisco por remetente ou destinatário falso. As sentenças, ainda de primeira instância, entenderam que não é prova suficiente para fundamentar a multa e execução fiscal a mera declaração do destinatário da mercadoria, no caso açúcar e álcool, de que não recebeu o produto para afirmar categoricamente que a remetente é a sonegadora de impostos. Nos dois casos, a execução foi extinta.
A briga nesses casos começa na venda. Muitas usinas ao comercializarem com outras empresas buscam saber se elas estão regulares, com informações na Receita Federal, Secretarias da Fazenda dos estados ou juntas comerciais. Os cadastros indicam a inscrição como válida e habilitada.
No entanto, alguns anos depois, o Fisco percebe que as compradoras estão irregulares ou não mais existem e pedem que a destinatária declare se recebeu a mercadoria. "Na verdade, eles receberam o produto, mas deixaram de registrar a nota fiscal para sonegar impostos. E obviamente vão negar e dizer apenas que não receberam", afirma Saulo Vinícius de Alcântara, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados e responsável pelo caso.
Para ele, a Fazenda, ao invés de investigar quem sonegou e buscar mais elementos de prova sobre a entrega ou não da mercadoria, entende ser mais eficaz autuar a usina, que tem o dinheiro, e usa a mera declaração do destinatário, colocando diversas usinas em apuros fiscais, com a execução e auto de infração por supostamente ter deixado de recolher Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). "As decisões afirmam que a declaração não é prova suficiente de que Não houve a transação. Além disso, não serve para lançar crédito tributário contra o remetente. Esse documento é viciado por ser assinado por pessoa interessada", afirma o advogado.
"Devem ser vistas com ressalvas as declarações firmadas pelo sócio da empresa, considerando que há nítido interesse dele em isentar-se de responsabilidade por eventual sonegação fiscal, de modo que não poderia ser entendido como depoimento neutro", diz o juiz em uma das decisões. "É inviável sustentar a aplicação de infração tributária tão-somente levando-se em consideração as afirmativas de um terceiro interessado", completa.
A defesa da usina provou que a mercadoria foi entregue, na modalidade de venda free on board (FOB), por meio de depoimentos de motoristas, além do pagamento em sistema bancário e escrituração fiscal - nas vendas por cláusula FOB, cabe à destinatária retirar a mercadoria por sua conta e risco. Para o juiz, o negócio está perfeito formalmente e caberia à Fazenda do estado de São Paulo indicar precisamente como teria ocorrido a suposta sonegação.
"Essas novas decisões mostram que o Poder Judiciário tem rechaçado que o Fisco paulista fundamente as autuações nessas declarações e, ao contrário, determina que ele deve investigar e buscar mais provas", afirma Saulo de Alcântara. Segundo ele, decisões anteriores, até do Superior Tribunal de Justiça (STJ), comandado pelo ministro Ari Pargendler, já haviam analisado o tema, mas quando o destinatário não é encontrado. Nesses casos, eles são localizados e assinam a declaração, inviável de acordo com as decisões.
Em um dos processos, ficou comprovado durante a instrução que representantes da empresa praticaram atos ilícitos, gerando inclusive o ajuizamento de uma ação penal. Em depoimento, um dos representantes da destinatária afirmou que a companhia deixou de declarar notas fiscais emitidas para a aquisição do açúcar. Essa mesma pessoa que firmou a declaração usada pelo Fisco. "Impossível, pois, dar crédito às escriturações desta empresa (ou a ausência delas). Os representantes não podem ser considerados testemunhas isentas de interesse na causa, uma vez que eventual recebimento de mercadorias , sem a devida escrituração e recolhimento de tributação, causaria responsabilização destes", enfatiza o juiz.
"A Fazenda se sustenta em declarações de empresa suspeita e investigada por graves fatos", completa o magistrado. Para o advogado que defendeu a usina, as decisões podem causar um grande impacto da Secretaria da Fazenda. "Ela deverá mudar sua forma de trabalho, sendo mais criteriosa", destaca Alcântara.
Para o juiz que analisou os pedidos, caberia à Fazenda Pública estadual, em sua atividade investigatória, colher indícios robustos a respeito da evasão, não sendo possível chancelar seu procedimento embasado em especulação de terceiro que tem interesse em negar o recebimento do produto adquirido.
Segundo o advogado, já há diversas sentenças contrárias às empresas e, portanto, os novos entendimentos devem abrir precedentes para mudar a orientação do Judiciário. Ele afirma não ter encontrado outras decisões com o mesmo teor. "A prática do Fisco é muito comum e deve ser coibida", destaca.
Fonte: Informativo DCI